Os artigos abaixo foram escritos pelos proprietários do Canil KLaus van Thor para o Jornal Amigo Bicho, um jornal gratuito de tiragem mensal que se dedicava a publicações notícias, histórias, fotos e mensagens sobre os animais. As histórias são verídicas e foram escritas por meio das experiências vividas pelos protagonistas.

PEGA BANDIDO !


Um dia desses um senhor baixinho com seus cinquenta anos de idade apareceu no portão da minha casa se oferecendo para plantar grama. Como realmente o pátio estava precisando de benfeitorias, combinamos então o serviço.

No decorrer do trabalho, percebendo meu apego aos cães, ele se dirigiu a mim, comentando sobre a fidelidade que se consegue com tal amigo e me contou uma história.


O ano ele não sabia, nem direito o tempo, mas lembrava que havia acontecido com seu avô, quando este ainda era jovem e solteiro. Este avô lhe contara que possuía um irmão caçula que havia se aventurado para Mato Grosso, e que não recebia notícias havia anos sobre o paradeiro de tal irmão. Imaginando o pior teve a idéia de fazer uma viagem até lá para então procurá-lo.


Preparou a melhor sela que tinha, algumas roupas, um pouco de dinheiro na guaiaca, o facão, e comprou duas mulas para ir revezando a montaria até lá. Depois de semanas viajando nas mulas, com sacrifício e persistência encontrou o irmão morando num rancho pobre, com alguns capatazes e criando algumas cabeças de gado. Estava passando fome e embora quase abandonados no meio do mundo ainda tinham saúde e esperança de prosperar.


Ele então permaneceu com eles alguns dias e percebendo que não havia comida para todos resolveu então voltar para o Rio Grande do Sul, levando agora notícias melhores. Durante a despedida o irmão lhe pediu que deixasse uma das mulas, pois seria de grande valia para seu trabalho no campo já que não tinham nenhum outro animal para transporte. E meio chateado, pois a viagem de retorno seria muito mais lenta com só uma mula, acabou se sensibilizando e deixou o quadrúpede para o irmão. Naquilo o tal irmão foi até os fundos do galpão e voltou trazendo numa corda um cusco, meio magro, de pêlo opaco e lhe entregou, dizendo que este cachorro era em troca da mula preciosa que havia lhe deixado.


Percebendo a sinceridade acabou aceitando o animal para não magoar o irmão que lhe passou o cão com bastante confiança. Logo após a partida, soltou a corda do cachorro e o mandou cuidar da própria vida, mas o canídeo continuou seguindo-o deixando-o ainda mais indignado.


À noite, dormindo embaixo de uma árvore, perto da estrada, ele acordou com algo gelado pressionando a sua testa, e quando abriu os olhos percebeu um vulto em sua frente com uma espingarda tocando o seu frontal, e uma voz grossa pedindo para passar o dinheiro. Sem poder se mexer muito puxou a carteira da cintura e jogou bem longe, dizendo para o larápio: “ pega bandido!”


Imediatamente vindo da escuridão, o cachorro pulou no pescoço do agressor afastando-o do seu novo mestre que mais que depressa levantou, pegou a espingarda do bandido, apontou para o cara e sem pensar muito terminou com o ameaçador ali mesmo. Então, respirou fundo, analisou o que aconteceu..., pegou a corda..., amarrou no cachorro..., prendeu a outra ponta na sela da mula... e veio embora.

Depois da forca...

Dia 21 de janeiro de 2006, sábado, foi encontrada uma cadela morta por enforcamento e seus filhotes racám nascidos agonizavam no chão perto do corpo da mãe onde foram abandonados. O assunto teve repercussão na imprensa, na polícia, e o caso foi encaminhado para a promotoria pública, que está em processo contra o proprietário e executor de tal violência.

Mas e os filhotes, o que aconteceu?

Eles chegaram na minha casa no sábado à tarde dentro de uma caixa de papelão, gelados e gritando de fome. Eram dois machos e quatro fêmeas, com aproximadamente 10 dias de vida, os olhos ainda fechados e precisavam de leite. Os gritos eram tão altos que deixava qualquer um nervoso, e mesmo após receberam por conta-gotas uma mistura similar ao leite de cadela, continuavam agitados. Num exame mais minucioso encontrei o que os estava perturbando. Eram larvas de moscas dentro dos ouvidos, no interior das vulvas e ânus, o que me fez pensar que até os insetos sabiam que eles iriam morrer. Após a limpeza, foi novamente oferecido o conta-gotas e após a mamadeira, mas eles ainda os rejeitavam pois procuravam pela mãe. Por terem passado alguns dias com ela, eles não queriam a mamadeira e sim procuravam o cheiro e o leite materno que estes sim lhes eram familiares. Foi difícil aceitarem um objeto diferente para suprir a fome, mas acabaram aprendendo.

Mamavam a cada duas horas, eram aquecidos com bolsa térmica e limpos com uma toalha molhada em água morna. Depois de dias, alguns deles começaram a abrir a boca para respirar. Sem entender o motivo, levei para o veterinário, que ele diagnosticou pneumonia causada por falsa via, isto é, a ânsia causada pela fome e pela rejeição a mamadeira fez com que aspirarem o líquido para o pulmão. – Vai ser difícil salvar, disse o veterinário, você deve dar antibiótico, xarope espectorante, alimentá-los com sonda (da boca até o estômago) e fazer fisioterapia para soltar o catarro.

Passaram-se duas semanas, eles resistiram bravamente, ao tratamento, e mesmo com o pulmão comprometido, brincavam como qualquer filhote faz, e finalmente os dentes erupcionaram. Iniciaram alimentação com papinha, passaram para a ração, e continuaram crescendo. Cada dia eu contava como mais uma vitória daquelas vidinhas que queriam vencer...e eles conseguiram.

Todos encontraram boas famílias que os escolheram e os amaram desde o início. Duas mocinhas foram para o mesmo proprietário, e os demais estão soltos no pátio da casa, convivendo com outros cães, ou animando os donos com toda a energia que um cão saudável pode transmitir. Recebo notícias dos meus filhinhos adotivos e sinto orgulho pela mãe verdadeira deles ter produzido sementes vitoriosas, com virtudes até mesmo de superar a morte iminente.

Até logo Segatt !

Um dia desses, eu estava trabalhando no meu computador, por volta das 9:00h, quando a presidente do CAPA me ligou pedindo para verificar uma denúncia que recebera, de que encontraram um cão com problemas. Como o local era próximo da minha casa, ela pensou que seria mais fácil eu ir atender, já que ela estava trabalhando e somente estaria disponível no final da manhã.

Com o endereço na mão, deixei meus cães em casa e o computador ligado para na volta continuar a minha tarefa, e fui procurar o local. Depois de algumas voltas de carro, encontrei a rua e o número da residência e bati na porta. Uma senhora muito simpática, porém aflita me atendeu, confirmando que ela havia ligado para o CAPA pedindo ajuda. Ela me relatava que havia encontrado uma cadela na noite anterior em frente a sua casa depois de averiguar o porquê de seus cães latirem tanto. Segundo ela, a cadelinha mal conseguia andar, e acabou deitando próximo ao seu muro. Ela lhe oferecera água e a ração de seus cães, mas a garota parecia não ter forças para se saciar. Pela manhã, ela colocou a cachorrinha embaixo de uma sombra enquanto esperava por algum voluntário do CAPA.

Quando fui até ela, a encontrei deitada, num terreno baldio, embaixo de uma árvore. Notei que mesmo fracamente ainda respirava, então imediatamente me enchi de esperança e comentei: “Ela ainda respira!” Era uma cadela de tamanho médio, pêlo de arame negro, todo emaranhado e sujo de barro. Quando a toquei e levantei uma das patas, eu e a senhora que me acompanhava tivemos um susto, combinado com desespero. Havia muitas larvas de mosca na sua axila que haviam danificado sua pele e estavam alojadas numa cavidade, freneticamente vivas e móveis. “Meu Deus do céu - disse a mulher, como pode existir alguém que deixa isto acontecer com um animalzinho". Eu respondi, "...as pessoas fazem isto".

Ela se retirou brevemente e começou a chorar, andando de um lado para o outro nervosamente e sem saber o que fazer. "Vou leva-la para o hospital veterinário" tentei acalmá-la, "pode ser que ainda há chance de salva-la". Pegamos uma caixa de papelão e foi inevitável não reagir ao odor que exalava dela. A mulher muito nervosa me perguntou por que tanto cheiro, e eu respondi: "É o cheiro do abandono, dos maus tratos, da ingratidão".

Coloquei-a no meu carro e a senhora me perguntou: “Como posso saber dela?” Então combinei que ela iria se chamar “Segatt” pois era parte do nome da rua aonde ela morava, e pedi que ela ligasse no hospital para ter notícias.

Chegando no hospital, fui rapidamente atendida, visto que o quadro dela não era bom, e na mesa de exame o veterinário começou examiná-la. Conforme íamos levantando o pêlo encontrávamos mais focos daquelas larvas que além da axila também estavam colonizando embaixo do pescoço, em um dos mamilos (que eram bem desenvolvidos por terem amamentado algum dia algum filhotinho) e atrás de uma das orelhas. O veterinário constatou que ela estava com febre alta, me mostrou as gengivas albas devido à anemia, e começou então a cortar os pêlos para tratar as lesões. Com isso, as larvas se movimentavam ainda mais dentro das feridas, algumas até saindo e se arrastando ao redor. Enquanto ele realizava a tricotomia (corte do pêlo) apoiei a cabecinha dela na minha mão e comecei a fazer um cafuné atrás da outra orelha, a que não estava afetada pelos insetos. Ela piscou e abanou o toco de rabo que tinha para mim. Foi difícil me conter para não sair correndo até o corredor e chorar diante daquela cena que se passava na minha frente, mas me enchi de coragem e compaixão e permaneci ali tentando lhe dar um pouco de conforto. Bravamente o médico limpava e retirava aqueles parasitas que lhe laceravam o corpo.

Com uma tesoura, também eu o ajudei a tirar as maçarocas de pêlos que escondiam outros ninhos daqueles malditos animais. Enquanto eu puxava aquelas bolas de pêlos para cortar, notei que a pele estava muito elástica, e ele me explicou que era pela desidratação avançada que ela se encontrava. Depois de um tempo, o veterinário então anunciou que a levaria para dar banho para reduzir a contaminação e iria colocá-la no soro para poder administrar os antibióticos que ela precisava. Então me despedi da Segatt e lhe pedi baixinho que não desistisse da vida. Somente quando saí do prédio reparei que eram 12:20h, então fui pra casa pois tinha dois turnos de trabalho pela frente ainda. Em casa, me deparei com meus queridos cães, saudosos, saudáveis, alegres, e o mais importante, reparei que eles possuíam alguém que os guardava, que zelava por eles, que os amava, que era eu. Mais uma vez entendi tudo que significa ter um bom dono para um cão, aquilo que a Segatt não possuía mais, e por isso ela não me obedeceu... e desistiu da vida.

À você querida amiga Segatt, se a sua vida não foi gloriosa, a sua morte me mostrou o significado da dignidade. Obrigada Dr. Ricardo Pimentel, do hospital veterinário da UPF, pela sua bravura e dedicação a ela.


Peripécias de voluntário

Várias vezes eu atendi ao telefone da minha casa e alguém perguntava: - É você que trabalha no CAPA? - Não, eu respondia, - sou apenas voluntária. Mas pensando bem, apesar de não ser remunerado, não deixa de ser um grande trabalho mesmo. Ser um voluntário de proteção dos animais é ser primeiramente uma pessoa que ama não apenas seus animais de estimação, mas também aquele que está na rua abandonado e doente, ou aquele passarinho filhote que caiu do ninho, aquela formiga que carrega tudo que é orgânico para seu formigueiro ou o urso polar que está lá no pólo norte correndo risco de extinção pelo degelo causado pelo aquecimento global. Ser voluntário é conseguir parar um instante, observar as coisas simples ao nosso redor e perceber e sentir que ali existe Deus. E se na vida de qualquer ser vivo existe Deus como o homem não consegue ver a boa energia que existe numa cadela que amamenta seus filhotes mesmo não tendo alimento para si mesma, que os cães têm coragem de proteger o patrimônio do dono sem ganhar nem um afago de gratidão, e que ainda perdoam os serem humanos mesmo quando são abandonados ou mal tratados por eles. É isso o que um futuro voluntário sente no início um futuro voluntário. Mas com o passar do tempo, vamos observando o quanto os humanos são covardes e descartam ou ignoram todos esses sinais que os bichos nos ensinam, e nesse momento a indignação começa a crescer e finalmente decidimos agir. Mas o que os voluntário do CAPA já fizeram? Algumas passagens hilárias e outras mais perigosas nos fizeram crescer e aprender que para os animais, tudo vale a pena.

Numa dessas avenidas da cidade, um cavalo visivelmente suado, cansado, provavelmente andando o dia todo abaixo de sol sem um gole de água sequer, puxava bravamente uma carroça com muito entulho. Diante daquela cena, uma voluntária desceu do carro, interceptou o homem, e com voz de indignação o fez tirar a metade do entulho e levar em duas viagens. Claro que ela ficou ao lado do monte esperando ele voltar.

Num outro dia chuvoso, duas voluntárias passaram por um carroceiro e perceberam que o cavalo estava ferido e assim mesmo puxando peso. No mesmo minuto uma delas desceu do carro, e mesmo com vestido curto e sandália de salto, deu voz de renúncia àquela cena, fez o dono desvencilhar o cavalo e tirá-lo da carroça. Mas o que fazer com o animal? Levar para o CAPA. E assim foi a jornada, a pé, de vestido e salto, molhada de chuva, mas um cavalo a menos sofrendo nas ruas. Pelo menos naquele momento.

E falando em chuva, num bairro da cidade, além de estar descendo água do céu, também vinha descendo de uma rua um homem que mal se mantinha em pé, puxando um boxer com uma corda muito curta. O cão, que ao mesmo tempo tentava se aliviar do enforcamento, ainda equilibrava o tal cidadão. Lógico que vendo isto as voluntárias pararam e abaixo de chuva negociaram o cachorro com o sujeito que se encontrava visivelmente alcoolizado. Entre tombos e mal criação, ele acabou entregando amigavelmente o sujo e molhado animal, que lógico, foi colocado dentro do carro e levado para a casa de uma delas. Hoje o boxer tem um novo lar e é o guardião fiel do seu novo dono.

Cães abandonados em casas à venda viraram rotina para quem é voluntário. As pessoas querem que os animais cuidem do patrimônio e que ao mesmo tempo vivam somente de vento e chuva. Então os vizinhos indignados com isso, denunciam tal maldade, e lá se vai pular muro, escalar grades, e passar o bicho por cima do portão para levá-lo ao veterinário. É indignante a ingratidão das pessoas aos seus animais.

Mas num desses resgates, o cão deixado para traz era grande, e apesar de doente e fraco continuava bravamente a cuidar da casa abandonada. Pegá-lo e colocá-lo no porta-malas do Gol não foi fácil, mas foi feito, porém durante o caminho o bicho começou a bater na tampa que poderia se abrir e então se soltar dentro do carro. Então, por que não pedir ajuda a quem sempre é valente também. Deu-se meia volta e chegaram até o corpo de bombeiros mais próximo para pedir ajuda. Então um dos soldados acompanhou as voluntárias até o Hospital Veterinário segurando a tampa do porta-malas para o cão não abrí-la, assim ninguém ficou ferido com o resgate.

E é nessas ações de resgates e denúncias que encontramos pessoas de várias idades e classes, que encaram o voluntariado como salvação ou ameaça, sem perceber que as suas más atitudes contra os animais estão revoltando a todos ao seu redor. Já recebemos ameaça de morte de sujeito que mal tratava seus cães e que meses depois foi preso por esfaquear um vizinho. Também fomos recebidos com hostilidade por um homem ao recebermos denúncia que sua cadela doente apanhava amarrada e que no mesmo dia ele a matou com dois tiros (o primeiro só a feriu) e ainda ameaçou os vizinhos com a arma caso alguém contasse. Acabou na polícia por porte ilegal de arma e tentativa de homicídio da esposa. Então, o respeito que se dá à vida deve ser projetado a todos os seres vivos. Como diz o provérbio: "Quem não valoriza um, não é digno de um milhão". Se o homem não é capaz de respeitar um ser vivo simples e puro, não conseguirá ver o valor que ele mesmo tem, e nem mesmo o valor do próximo.


Como você poderia ajudar o CAPA?

- adotando um cão para lhe oferecer uma vida digna;

- doando materiais de construção, materiais de limpeza, casinhas, ração para filhotes ou adultos, medicamentos, jornais, papelões.

- doando qualquer quantia em dinheiro na conta do Banco Banrisul agência-0917, cc 060837950-4.

Entre em contato: www.capapf.com.br