Um dia desses, eu estava trabalhando no meu computador, por volta das 9:00h, quando a presidente do CAPA me ligou pedindo para verificar uma denúncia que recebera, de que encontraram um cão com problemas. Como o local era próximo da minha casa, ela pensou que seria mais fácil eu ir atender, já que ela estava trabalhando e somente estaria disponível no final da manhã.
Com o endereço na mão, deixei meus cães em casa e o computador ligado para na volta continuar a minha tarefa, e fui procurar o local. Depois de algumas voltas de carro, encontrei a rua e o número da residência e bati na porta. Uma senhora muito simpática, porém aflita me atendeu, confirmando que ela havia ligado para o CAPA pedindo ajuda. Ela me relatava que havia encontrado uma cadela na noite anterior em frente a sua casa depois de averiguar o porquê de seus cães latirem tanto. Segundo ela, a cadelinha mal conseguia andar, e acabou deitando próximo ao seu muro. Ela lhe oferecera água e a ração de seus cães, mas a garota parecia não ter forças para se saciar. Pela manhã, ela colocou a cachorrinha embaixo de uma sombra enquanto esperava por algum voluntário do CAPA.
Quando fui até ela, a encontrei deitada, num terreno baldio, embaixo de uma árvore. Notei que mesmo fracamente ainda respirava, então imediatamente me enchi de esperança e comentei: “Ela ainda respira!” Era uma cadela de tamanho médio, pêlo de arame negro, todo emaranhado e sujo de barro. Quando a toquei e levantei uma das patas, eu e a senhora que me acompanhava tivemos um susto, combinado com desespero. Havia muitas larvas de mosca na sua axila que haviam danificado sua pele e estavam alojadas numa cavidade, freneticamente vivas e móveis. “Meu Deus do céu - disse a mulher, como pode existir alguém que deixa isto acontecer com um animalzinho". Eu respondi, "...as pessoas fazem isto".
Ela se retirou brevemente e começou a chorar, andando de um lado para o outro nervosamente e sem saber o que fazer. "Vou leva-la para o hospital veterinário" tentei acalmá-la, "pode ser que ainda há chance de salva-la". Pegamos uma caixa de papelão e foi inevitável não reagir ao odor que exalava dela. A mulher muito nervosa me perguntou por que tanto cheiro, e eu respondi: "É o cheiro do abandono, dos maus tratos, da ingratidão".
Coloquei-a no meu carro e a senhora me perguntou: “Como posso saber dela?” Então combinei que ela iria se chamar “Segatt” pois era parte do nome da rua aonde ela morava, e pedi que ela ligasse no hospital para ter notícias.
Chegando no hospital, fui rapidamente atendida, visto que o quadro dela não era bom, e na mesa de exame o veterinário começou examiná-la. Conforme íamos levantando o pêlo encontrávamos mais focos daquelas larvas que além da axila também estavam colonizando embaixo do pescoço, em um dos mamilos (que eram bem desenvolvidos por terem amamentado algum dia algum filhotinho) e atrás de uma das orelhas. O veterinário constatou que ela estava com febre alta, me mostrou as gengivas albas devido à anemia, e começou então a cortar os pêlos para tratar as lesões. Com isso, as larvas se movimentavam ainda mais dentro das feridas, algumas até saindo e se arrastando ao redor. Enquanto ele realizava a tricotomia (corte do pêlo) apoiei a cabecinha dela na minha mão e comecei a fazer um cafuné atrás da outra orelha, a que não estava afetada pelos insetos. Ela piscou e abanou o toco de rabo que tinha para mim. Foi difícil me conter para não sair correndo até o corredor e chorar diante daquela cena que se passava na minha frente, mas me enchi de coragem e compaixão e permaneci ali tentando lhe dar um pouco de conforto. Bravamente o médico limpava e retirava aqueles parasitas que lhe laceravam o corpo.
Com uma tesoura, também eu o ajudei a tirar as maçarocas de pêlos que escondiam outros ninhos daqueles malditos animais. Enquanto eu puxava aquelas bolas de pêlos para cortar, notei que a pele estava muito elástica, e ele me explicou que era pela desidratação avançada que ela se encontrava. Depois de um tempo, o veterinário então anunciou que a levaria para dar banho para reduzir a contaminação e iria colocá-la no soro para poder administrar os antibióticos que ela precisava. Então me despedi da Segatt e lhe pedi baixinho que não desistisse da vida. Somente quando saí do prédio reparei que eram 12:20h, então fui pra casa pois tinha dois turnos de trabalho pela frente ainda. Em casa, me deparei com meus queridos cães, saudosos, saudáveis, alegres, e o mais importante, reparei que eles possuíam alguém que os guardava, que zelava por eles, que os amava, que era eu. Mais uma vez entendi tudo que significa ter um bom dono para um cão, aquilo que a Segatt não possuía mais, e por isso ela não me obedeceu... e desistiu da vida.